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Brasil precisa regulamentar ‘direito à desconexão’, diz ministro do TST

O chamado “direito à desconexão” — a garantia de não ser incomodado depois do expediente por mensagens do chefe no celular ou no computador — é hoje um dos grandes temas do mundo do trabalho.

Em países da Europa e da América Latina, já existem legislações específicas para coibir essa prática. Mas o mesmo ainda não se pode dizer do Brasil.

No Congresso Nacional, um projeto de lei sobre o tema até chegou a ser apresentado em agosto de 2020 pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES). No entanto, o texto ainda não foi votado e continua em tramitação. “É importante que você tenha uma regra que deixe claro para a sociedade que não pode haver essa cobrança abusiva, para além daquilo que seria a jornada de trabalho”, diz Augusto César Leite de Carvalho, um dos 27 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), instância máxima da Justiça trabalhista.

Em entrevista exclusiva à coluna, o ministro avalia que a Reforma Trabalhista de 2017 não deu conta do direito à desconexão. “Aquilo que diz respeito à privacidade do trabalhador, à privacidade da família do trabalhador: tem muita matéria a ser regulada. A gente precisa dessa legislação”, avalia Carvalho.

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

O que a nossa atual legislação trabalhista diz sobre o direito à desconexão? A nossa lei trabalhista não trata especificamente do direito à desconexão. Mas ela tem dispositivos que, ao tratarem da jornada de trabalho, se aplicam àquilo que poderia significar uma consequência jurídica do fato de o trabalhador estar além daquela jornada normal que ele está empreendendo na empresa.

O problema não é ele estar usando um aparelho celular, um tablet, enfim, qualquer dispositivo que o faça acessível para o empregador. Mas é aquela situação de expectativa, de imaginar-se disponível. E, infelizmente, a gente sabe que é rigorosamente o que acontece. Porque a tecnologia da informação e da comunicação hoje permite que o trabalhador possa ser demandado em qualquer situação, a qualquer hora.

E, às vezes, por descuido ou por indiferença a esse cuidado que se deve ter com o tempo de descanso do trabalhador, há essa comunicação na hora em que o trabalhador está em casa, convivendo com sua família, com os seus amigos, na atividade de lazer.

O senhor vê essa discussão mais amadurecida em outros países? EQuer dizer: o diálogo que se estabelece por mensagem, seja de qualquer rede social, entre empregado e empregador, é sempre uma demanda de serviço. Aí, portanto, tem que ter um limite. A partir de determinada hora, não há possibilidade de o trabalhador ser acionado. Em alguns casos, inclusive, o sistema de conexão deve ser desativado durante esse período, para que não haja a menor possibilidade de o trabalhador receber qualquer demanda.

O Congresso Nacional deveria regular melhor esse assunto? Eu acho que sim e explico o porquê. Muito do que esse mundo tecnológico apresenta para nós como novidade, se você for olhar bem, a nossa legislação já contempla — mas num nível de abstração maior. Quer dizer, está estabelecida tanto na Constituição, quanto na lei, na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], uma jornada máxima. Então, se você combinar esses dispositivos, você conclui que até o direito à desconexão estaria de alguma forma contemplado. Mas está num tal nível de abstração que você não vê na lei propriamente o dispositivo legal fazendo referência explícita ao direito à desconexão.  Então, é importante que você tenha uma regra que deixe claro para a sociedade que não pode haver essa cobrança abusiva, para além daquilo que seria a jornada de trabalho. A Reforma Trabalhista foi feita sob o argumento de modernização da legislação. E o teletrabalho, que talvez seja o ápice dessa modernização, não foi devidamente contemplado. A nossa legislação é muito falha. Aquilo que aconteceu em 2017 não foi eficaz. Nós precisávamos, sim, de uma legislação sobre o tema do teletrabalho. Era urgente. Era preciso que nós modernizássemos a nossa legislação. Aí você vai lá na CLT, que foi modificado, o artigo 75 A, que vai definir o que é teletrabalho. Você pega a legislação portuguesa, a legislação espanhola, ela vem dizendo qual é obrigação do empregador em relação aos equipamentos, em relação à possibilidade de o empregador fiscalizar o ambiente de home office. Porque ele [o empregado] pode eventualmente estar trabalhando em condições não ergonômicas. E aí o empregador vai ser responsabilizado. Aquilo que diz respeito à privacidade do trabalhador, à privacidade da família do trabalhador: tem muita matéria a ser regulada. A gente precisa dessa legislação. E não fizeram nada. Bastava terem copiado. Se tivessem copiado o que já existia mundo afora, o que já existe em Portugal, em países europeus? Isso sim é modernizar as nossas relações de trabalho.

Como a Justiça do Trabalho vem sendo impactada por esse tema? Há muitas ações de pessoas reclamando o direito à desconexão? Na Reforma Trabalhista, a pretexto de regular o teletrabalho, eles incluíram lá um inciso no artigo 62, dizendo que o trabalhador que presta serviço em teletrabalho não tem direito a hora-extra, [não tem direito] a nada que diga respeito à limitação de jornada. Isso, evidentemente, teve uma reação enérgica. Porque é uma bobagem você imaginar que o teletrabalhador está imune a qualquer controle de jornada. Qualquer criança sabe que o tempo de conexão é perfeitamente mensurável, controlável. Então, é evidente que se o trabalhador está prestando serviço para além das 8 horas [diárias] do limite constitucional, das 44 horas semanais, ele está prestando hora-extra. A Constituição diz que tem que pagar. Não adianta o legislador dizer o contrário. Mas, no ano passado, modificaram para dizer que o trabalhador teria direito, sim, a essa remuneração de horas extraordinárias, salvo se ele estivesse trabalhando por produção. O que eu poderia dizer é o seguinte: na jurisprudência [nas decisões] dos Tribunais Regionais do Trabalho, há um avanço muito significativo no sentido de que o antigo artigo 62 foi modificado porque estava errado mesmo. Quer dizer, se o teletrabalhador presta serviço para além da jornada normal, ele tem direito. Mas nenhuma alusão, como a gente já viu, ao direito à desconexão propriamente. Porque isso vai além da existência de controle. É o trabalhador que fica naquela perspectiva de a qualquer momento ser demandado, de se sentir obrigado a dar uma resposta. Quer dizer, ele não tem o tempo absoluto de descanso, de relaxamento. E isso é absolutamente fundamental.

 

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